Discurso proferido durante a cerimônia de entrega do Prêmio Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), no Palácio do Governo em Belo Horizonte.
24/03/2014
"Gostaria de cumprimentar todos os presentes nesta mesa e direcionar os nossos agradecimentos àqueles que fazem deste momento a culminância de um processo rico, diverso e que reconhece na diferença aqueles muitos que estão aqui e lá fora em busca da transformação social. Em especial, aos companheiros de Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu, ao Ponto de Cultura Seu Duchim, Funatura, prefeituras municipais da margem esquerda do São Francisco, gestores de áreas protegidas e ao FNMA e Fundo Socioambiental da CAIXA que acreditaram neste projeto.
Inicio
a minha fala rememorando um momento ocorrido em 2008, quando iniciamos nosso primeiro
projeto institucional, denominado Sertão dá flor. A ideia central era fomentar
uma rede de mulheres, moradoras do Vão Buracos, cânion de grande beleza
natural e cultural, localizada ao lado de Chapada Gaúcha. Um vão que cisma
cortar a Chapada cujo nome marca a hegemonia presente, mas não consegue
esconder as vidas que nutrem das veredas. E, assim, propomos pensar a cozinha -
lugar que só entra quem é muito chegado, onde estão às pessoas de bem querer das
famílias sertanejas -, provocar as prosas e saberes que mobilizam as
mais diferentes formas de ver, sentir e pensar o Cerrado.
Descíamos todas, a grande maioria mulheres [pois o Instituto Rosa e Sertão é uma organização não governamental de base feminina, mas que tem homens especiais ao nosso lado] com bacias na cabeça, banner e material para os cursos de frutos do Cerrado e de quintal. Este foi um dos primeiros projetos que direcionou suas formações e encontros para serem realizados na própria comunidade.
O
Vão dos Buracos é a prova que aquele sertão foi mar um dia! É ali, tão bem
descrito na obra Grande Sertão Veredas: que vemos um lugar de sumir, de se esconder e não mais
querer sair. O rio Pardo, um dos principais afluentes do São Francisco, é que
faz as estradas. Quilômetros e quilômetros de veredas vão margeando as casas e como
um cálculo segue em fileiras até sumir de vista.
O Cerrado, de lá de fora, nos ensinava as mulheres, era lugar de se panhar o pequi, as ervas do remédio, a cabeça de nego [ que hoje não existe mais], mas o Cerrado de cá de dentro, tem o pequi e o buriti. Do buriti fazemos tudo, com a sede se tira a corda, da palha se trança a esteira, do talo faz tapete ou descanso de mesa, do braço, aquela parte que segura suas folhas, se faz casa, cadeira, trate, e de seu fruto, ai não tem igual! Com farinha é prato de ir pra roça, com açúcar para se tomar café, das raspas faz suco, faz doce, e, como já dito pelo Rosa, onde tem buriti tem água. Água!!! Nestes últimos dois anos a seca castiga com mais força e a luta se torna constante pelas nascentes rodeadas pelos projetos de plantios de eucalipto, uso desenfreado de pivôs.
É deste lugar que extrapola qualquer descrição que aqui tentarei alcançar que trago honrosamente. Ele está dentro de mim e está por todo o lugar, o sertão, o Gerais. Daí por diante, pensamos os territórios, o Cerrado em si que tem sua força maior em pé na alma e no modo de pensar e viver o Gerais.
Se Minas são muitas o Gerais é diverso e lá e cá que a proposta apresentada para o ODM se mostra enquanto processo, pois não caberia outra forma, pois são 8 passos, 8 caminhos, 8 desejos. E somos sabedores que tem muita coisa sendo feita e construídas neste Brasil a fora e Minas e o Gerais estão juntos aqui hoje representando este movimento.
Das mulheres do Vão dos Buracos partiu o maior ensinamento, base todas as nossas ações: não há como não reconhecer um projeto de desenvolvimento se não for pela valorização da Cultura e que os modos de vida estão intimamente ligados à forma de se tratar a terra, de se pensar enquanto parte daquele ambiente. Ainda, que não se separa Cerrado, mas sim o identifica enquanto campos, tabuleiro, mata, Gerais, vazante e veredas. Que cada ambiente há por aqueles que o habitam o pertencimento e reconhecimento de suas identidades mobilizadas enquanto geraizeiros, vazanteiros, fundos de pasto, catingueiros, veredeiros, enfim povos e comunidades tradicionais.
O projeto que temos a honra de apresentar enquanto processo e que aqui recebe o reconhecimento de estar entre as 30 iniciativas finalistas se baseia na busca de estabelecer relações de vizinhança entre povos e comunidades tradicionais e áreas protegidas. Ambos reconhecidos enquanto espaços também de preservação e de extrema relevância para biodiversidade.
O Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu, embasado por uma política ambiental, visa à gestão integrada dos recursos naturais entre poder público (gestores das áreas protegidas), a sociedade civil, setor produtivo. Grande peso desta mediação se dá pela sociedade civil, organizações não governamentais, tanto no campo da pesquisa, intervenção, assessoria e mediação. Porém é dever do Estado dialogar junto conosco!
Fruto desta ação está o Plano de Desenvolvimento de Base Conservacionista (DTBC), gerido na época pela Funatura, que reconheceu as linhas já existentes, como extrativismo, gestão das áreas protegidas e o Turismo Ecocultural. Pensar este último ponto, objeto do nosso projeto, é primeiramente pensar a valorização a cultura tradicional, é pensar um lugar melhor para aqueles que ali vivem, é entender que somente pela organização comunitária e a participação efetiva desde a sua concepção que garantirá os 8 passos, os 8 caminhos, os 8 desejos de termos um lugar melhor hoje!
Lá atrás, quando o Rosa e Sertão se reconhecia enquanto entidade cultural, enquanto Ponto de Cultura, um espaço geral de folias, tivemos a base para entender todas as ações coletivas existentes neste território, como parte deste processo. Hoje sou eu, Damiana Campos, coordenadora executiva do Rosa Sertão, que está aqui, mas que só pude estar aqui, falando do Gerais, neste espaço político importante, porque somos fortes enquanto Rede e grandes quando se fala em proteção destes territórios.
Esta
fortaleza se faz diante ao avanço da fronteira agricultura, das liberações
desenfreada de área para plantio impensadas de eucalipto, das grandes áreas de soja e
capim e seu uso intensivo de agrotóxicos, das propostas de barramento do rio Carinhanha - um dos principais afluentes do São Francisco - e da situação agoniante do do nosso rio, Velho Chico.
Neste sentido, Minas e o Gerais avançam quando decreta a lei estadual de Povos e Comunidades tradicionais de nº Lei n.º 21.147 e sabe que é preciso a implementação das áreas protegidas. Mas atenção: estes projetos carecem de um olhar de perto e estaremos sim acompanhando..
Posso afirmar que Minas e o Gerais seguem no caminho para alcançar os
8 passos propostos nos ODM, mas temos um bom caminho pela frente. E, se me permitem apontar o 9º, indicaria o reconhecimento do poder de conservação de povos e comunidades tradicionais que está atrelado a urgência da demarcação de seus territórios. Tiro como embasamento o que tão bem nos ensinaram as mulheres veredeiras: o território é
a nossa cultura, é com ele que está nossa vida.
Seguimos em busca do reconhecimento destas Culturas e pela transmissão
dos saberes, caminhos certos que possibilitarão a transformação social".
Por: Damiana Sousa Campos
Coordenadora Executiva
Instituto Rosa e Sertão
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